Narrativas sobre o SUS em São Paulo

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Evaldo: SPDM foi uma das primeiras OS do município, com o fim do PAS, em 2001, governo Marta Suplicy.
Brigamos tanto contra a terceirização do Maluf com o PAS no município e não entendia por que não seguíamos o modelo Paideia, do professor Gastão Wagner, que tinha sido secretário da saúde em Campinas e organizou uma transição que respeitava o conhecimento dos profissionais para a mudança do modelo assistencial.
Usaram o modelo de OS do PSDB. Uma lógica de concorrência entre as OS, que transforma saúde em mercadoria, vencendo a concorrência aquela OS que oferece mais, pelo menor preço.
É lógico que o menor preço, com o passar dos anos, seria às custas da precarização do trabalho, como vemos hoje nas inúmeras OS que surgiram , sem o mínimo de ética e respeito ao profissional.

Antonio: Não é correto dizer que as distorções do serviço público ocorreram com a terceirização pelas OSs e muito menos a história começa com a SPDM, ou que ela estivesse envolvida entre as primeiras OSs.
Vou tentar fazer um resumo, do resumo, do resumo, para só introduzir uma reflexão sobre as dores atuais, resumo dessa história, que é muito longa e que tem diversos componentes a ser explorado. Queria lembrar, inicialmente que a primeira OS que começou a trabalhar com o serviço público, e mais especificamente com a assistência básica, através da implantação do PSF, foi o Santa Marcelina em 1996 e logo em seguida a Fundação Zerbini em 1997.
Como e por que essas duas organizações se envolveram nisso?
A implantação, inicialmente do SUDs, e posteriormente do SUS, foi um parto feliz, mas doloroso e prolongado. Essa história é complexa e muito diferenciada para cada estado e para cada município.
A implantação pressupunha a admissão de um controle popular e muitas outras exigências, que não dá para colocar tudo aqui.
O Fato é que quando Paulo Maluf assumiu a prefeitura, em janeiro de 1993, o SUS ainda se debatia com as dificuldades naturais de um recém nascido, mas que apesar da imaturidade avançava com o empenho da melhor gestão de saúde que São Paulo já teve, com o governo de Luiza Erundina. Porem esse recém nascido não teve força para suportar os golpes dados por Paulo Maluf, com seu famigerado PAS (outro assunto também longo que não cabe aqui). Assim o fato concreto é que a implantação do SUS em São Paulo, ficou congelada até o fim do ano 2000, quando se encerrou o mandato de Celso Pita.
Então a verba que chegava do Governo Federal para o Estado de São Paulo e que era distribuída para todos os municípios, não o era para São Paulo, já que deveria ser gasta pela prefeitura, mas controlada pelo Conselho municipal de Saúde, não reconhecido pelo Maluf.
Mário Covas, Governador de São Paulo, juntamente com Adib Jatene, Ministro da Saúde, resolve implantar no município de São Paulo o Programa de Saúde da Família, uma experiência exitosa que acontecia em outros municípios.
Como implantar sem o SUS municipalizado aqui?
Então o Governo do estado faz primeiramente o convênio com o Santa Marcelina e posteriormente com a Fundação Zerbini (QUALIS 1 e QUALIS 2)
Essa gestão terceirizada logo no início se mostra muito superior ao PAS, já que os médicos estatutários que não aceitavam trabalhar nessa metodologia privatista do Maluf, acabaram sendo transferidos para órgãos como a Usina de asfalto e outros.
E foi um impacto de qualidade muito grande, com funcionários novos e celetistas, provocando um contraste imediato com o serviço prestado pelo antigo funcionalismo minado por anos de burocratismo e descompromisso. O contrário disso era exceção e a atuação do Governo Erundina não havia conseguido modificar.
A evolução dessa experiência positiva, inicial, e que se aprofunda no Governo de Marta Suplici, passando de um serviço de qualidade, para as enormes deformações de hoje, nos obriga a levantar questões para uma reflexão mais profunda.
Por que o serviço público não é capaz de responder com qualidade as necessidades da atenção básica.
As OSs são uma caixa preta no que se refere à gestão financeira dos recursos públicos, mas como substituí-las por um serviço público paquidérmico?
Será que não está na base de nossas dificuldades de defesa do SUS e do respeito ao trabalho profissional de qualidade, e justamente remunerado, a falta de um corpo profissional próprio do SUS, com um sistema de carreira como acontece com os sistema judicial?
Com todos os elogios que se possa fazer ao Programa Mais Médicos, por que Lula e Dilma não avançaram na criação desse CORPO PROFISSIONAL, desses quadros próprios da administração pública?
Paradoxalmente, Bolsonaro, que não tinha programa nenhum, para nada no Brasil, foi o único que incluiu naquele arremedo de propostas, a criação de carreira no SUS. Mas nem fala mais nisso.
Minha opinião: enquanto não tivermos essa criação de carreira própria do SUS, com dedicação exclusiva e muito bem remunerada, estaremos nas mãos de todo o tipo de exploração e deformação da nossa categoria e dos outros profissionais de saúde.

Evaldo: 

Obrigado pelas correções. Sabia que o Covas tinha iniciado no município o Qualis, ainda no governo Pitta, que depois foi repassado ao município, no governo Marta.
Quando resistimos à entrada do PAS, sabia que o modelo estatutário não funcionava e precisávamos de uma alternativa, quando voltassemos para o SUS .

Na proposta SUS Brasil do professor Gastao Wagner, anos depois, ele sugere uma transição para o modelo semelhante à autarquia, que poderia ser tentado por um governo progressista.

Se o Qualis foi o início, poderíamos ter feito um modelo diferente que não estimulasse a proliferação de OS, como acabou acontecendo depois.

A mercadorização da saúde começou aí, acho eu.

[18:53, 10/07/2020] Evaldo: Fim do governo Marta, tivemos 8 anos de governo PSDB, que consolidou o modelo de OS, com a proliferação de várias delas em São Paulo e em muitos municípios.
De novo, tínhamos um plano do Gastão Wagner, o SUS Brasil, que novamente não foi considerado, para fazer a mudança do modelo.
E então ficamos nesta situação complicada de achar que o único caminho é terceirizar para as OS.
[18:58, 10/07/2020] Evaldo: http://promoversaude.ning.com/m/blogpost?id=6235349%3ABlogPost%3A74748

Mariza: Pelo que entendi , as terceirizações ( OSs ) estavam garantidas na CF 88 e as primeiras OSs eram boas .
Poderiam me explicar quais eram essas OSs ? E quando o nível começou a cair ?

Ricardo Menezes: A CF não garante nada nesta linha. As OS nunca foram boas porque nunca foram controladas e sempre receberam recursos muito maiores que os serviços públicos.

Sim! Na lei orgânica de 1990, que regulamentou o SUS falava em 3 segmentos para a sua organização: Gestores, Trabalhadores e População.
A lei das OS é de 1995, do PSDB.
Com o passar dos anos, incluíram "prestadores " , e servidores se misturam com "colaboradores" no segmento dos trabalhadores.
Na última conferência tínhamos "servidores" comprometidos com "prestadores", porque tinham cargos em OS e trabalharam para a desconstrução do servidor público.
Como disse Marilena Chauí, a classe média é uma tragédia!

Jefferson: Esta discussão é delicada, pois muitos colegas com histórico de Saúde Pública e comprometidos aderiram às OSs. Acreditaram que era uma alternativa a um serviço público ineficiente e não comprometido, até por conta de muitos colegas que fizeram e fazem do SUS um bico. Entretanto, ao aderirem a fórmula de OSs incorporaram o modelo, passaram a ter isto como fonte de renda para eles e outros colegas que eram contratados. O problema penso eu é tratar a saúde como uma fábrica de parafusos em que o que mede a eficiência do sistema é a produtividade em fazer parafusos e não a qualidade do produto. Parafraseando a mim mesmo, podemos dizer que na zona não há virgem, mas nem todas da zona são prostitutas, pois temos as funcionárias da recepção, do bar, da limpeza e etc.

[14:17, 26/07/2020] Evaldo: É por isso que devemos amarrar o financiamento à forma de empregar o recurso. Tem muito sanitarista que defende mais financiamento mas tem o rabo preso com as OSS.
[14:21, 26/07/2020] Evaldo: O dinheiro sendo gasto sem controle para montar hospitais de campanha pelas OSS para pandemia mostra bem esta realidade.
[14:23, 26/07/2020] Evaldo: Com o Hospital Sorocabana fechado, num novo normal que vai precisar de mais leitos para o SUS

Oi @Mariza Setian Kuymjian . O Eder falava em OSs boas e OSs picaretas, quando conversei uma vez com ele em Osasco sobre isso.
Acontece que, se as OS não se "picaretarem" com o tempo, elas não sobrevivem. O custo da Medicina é cada vez mais alto , e as prefeituras querem o máximo pelo menor preço nos contratos.
Participei de uma licitação pública de OS em Osasco. Perguntei informalmente qual seria a forma de contratar os profissionais para uma das 3 concorrentes e ele me respondeu: PJ, é a forma mais barata de ter a "mão de obra ".
Se hoje temos OS sérias que contratam por CLT, respeitam direitos trabalhistas , o futuro será PJ, na forma de quarteirização, como fizeram nos hospitais de campanha.

Antonio: Entrei na OS Fundação Zerbini para fazer PSF. Já havia sido médico concursado da prefeitura de São Paulo, São Bernardo e Diadema.
A qualidade da assistência médica e da dedicação dos funcionários públicos principalmente de São Paulo era uma lástima. Serviço burocratização, desorganizado e trabalhadores, em sua maioria descomprometidos. São Bernardo e Diadema passava por um processo diferente, de valorização do funcionalismo e um investimento relstivo em sua formação. A primeira OS aqui em São Paulo foi o Santa Marcelina, com quadros competentes e comprometidos com saúde pública e fortalecimento do SUS. Seguiram -se a Fundação Zerbini, com dirigentes técnicos muito competentes também, tendo à sua frente o saudoso David Capistrano e sua equipe, vinda da Secretaria de Saúde do Santos. Posteriormente a Santa Casa e a USP com seus dirigentes fortemente ligados à cadeira de Medicina Coletiva, e a Associação Saúde da Família, uma ONG com uma direção muito séria também. Dentro de quase todas essas entidades, no deu corpo diretivo, desde o início despontaram gestores que enxergaram o enorme potencial de manipulação de verbas vindas do ministério, causando muitas vezes atritos entre o corpo técnico e administrativo. David Capistrano e boa parte de sua equipe foi a primeira vítima desse choque. A facilidade de manipular verbas públicas sem ter que prestar contas fizeram surgir outras entidades (OSs) que se prestaram a todo o tipo de deturpação da prestação de assistência médica, para garantir cada vez mais UBSs e mais verbas. A gestão baseada na qualidade que havia sido o diferencial, daquelas primeiras entidades que já citei, deram ânimo a muitos profissionais que puderam sentir que dentro do serviço público havia campo e oportunidade para prestar um serviço de qualidade muitas vezes superior ao engessado e arcaico sistema público anterior. Pouco a pouco a gestão burocrática foi corrompendo a qualidade oferecendo aos órgãos de direção da Secretaria de Saúde Municipal, aquilo que deles era exigido: NÚMEROS. Números de atendimentos. Números de procedimentos.
O Esforço do Ministério da Saúde de monitorar s qualidade da Estratégia de Saúde da Família, através da AMQ (avaliação para melhoria de qualidade) fracassou, por que na prática o que se exigia era produção.
Então, baseado na minha pequena experiência, aqui em São Paulo, acho que o exito inicial da prestação de serviço de qualidade, com valorização do funcionário contratado pela CLT, sua formação em serviço é gerenciamento competente, pos a nu as deficiências do serviço público arcaico.
Então acho que não dá para discutir o problema das OSs desvinculado da questão fundamental que é a formação de quadros profissionais competentes e de carreira do SUS. Não adianta nada jogar fora essas OSs que tanto se deformaram com o tempo e pensar que se pode tocar todo esse serviço com funcionários descomprometidos e deformados por anos e anos de clientelismo de favorecimentos políticos, onde o funcionário esforçado era mal visto pelos colegas, onde a indicação e/ou proteção de um vereador ou deputado contaminava e minava o ambiente de trabalho.

Evaldo: Acho que o Eder me ensinou que não devemos condenar, quando classificou de OS boas e OS picaretas.
Quando o PAS entrou, criado pelo Maluf em 1995, já havia uma descrença muito grande no servidor público.
Fui contra, respeitei os que optaram em aderir, mas achava que precisávamos de uma alternativa às terceirizações e ao modelo estatutário, quando retornassemos ao SUS.
Nesses anos todos tivemos o professor Gastão Wagner que sempre ofereceu alternativas, que o status-quo nunca permitiu que ocorrese.
Ao ver o discurso emocionado do Eder, como presidente do SIMESP de 2014 a 2020, um período difícil, entendo que a compreensão de todo este processo macro da mudança no trabalho precisa ser melhor entendida para ser melhor enfrentada.
Eu gosto de História, @Antonio , e gosto de aprender pela luz dos que a viveram.

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