Quando o final do ano se aproxima, nós, da área da saúde, já nos organizamos para as campanhas de prevenção. Temos o setembro amarelo na prevenção de suicídios, outubro rosa para alertar as mulheres sobre o rastreio de câncer de mama e o novembro azul já consagrado como o mês de rastreio para câncer de próstata. Não tem nada de errado em promover a saúde e alertar a população sobre a necessidade de cuidar de si, mas precisamos ser um pouco mais críticos em relação à forma como a mídia divulga algumas informações.

Em primeiro lugar, o autocuidado é uma prática que deve ser constante, observar seu corpo, conhecer-se e examinar-se rotineiramente ajuda a identificar sintomas e sinais precocemente. Além disso, as mulheres não se restringem à mama e nem os homens à próstata! O indivíduo é um ser complexo e que precisa ser cuidado e olhado como um todo, na sua integralidade, avaliado, examinado e ouvido de forma que os seus sofrimentos sejam identificados e cuidados junto com o corpo.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2012, na última revisão americana sobre Rastreio de Câncer de Próstata da U.S. Preventive Service Task Force (USPSTF) contraindica a realização de PSA [exame de sangue para detectar câncer de próstata], uma vez que há moderada ou alta certeza de que os danos associados ao rastreamento do câncer de próstata superam seus possíveis benefícios.

A Europa já contraindica o rastreio desde 1999 através da International Network of Agencies for Health Technology Assessment (INAHTA), justamente por não haver comprovação do benefício que essa tecnologia (PSA, toque retal e ultrassonografia de próstata) traz. Por este motivo, o próprio Inca, em revisão de 2013, contraindica a realização do rastreio em pacientes assintomáticos, uma vez que existem evidências, de boa qualidade, que o rastreio traz mais dano do que benefícios. E os médicos são orientados a explicarem aos pacientes que pedirem o PSA sobre os riscos envolvidos nesse procedimento.

Existe um senso comum de que a melhor maneira de abordar o câncer é descobri-lo precocemente e tratá-lo agressivamente. Por causa disso, existe quase nenhuma informação sobre os danos que o rastreamento ou uma intervenção médica pode causar. Isto fica claro quando observamos campanhas de rastreamento, como o “Novembro Azul”, convocando os homens a realizar o rastreio com PSA e/ou toque retal, muitas delas promovidas por hospitais, sociedades médicas e outras organizações, nas quais não são mencionados os potenciais malefícios do rastreamento.

O mesmo documento do Inca de 2012 ainda problematiza sobre a diferença de visão entre o médico generalista/sanitarista e o especialista, onde o generalista atende um perfil de pacientes mais amplo, “analisa a prevalência da doença na população, coloca em perspectiva ampliada diferentes agravos à saúde, analisa as intervenções sob o ponto de vista dos benefícios e malefícios e a qualidade dos estudos de efetividade de uma intervenção. Os especialistas em geral mantêm contato com pacientes em graus mais avançados da doença, são menos sensíveis às análises dos possíveis malefícios de uma intervenção ou imperfeição dos estudos de efetividade”. Isso provoca um confronto nas recomendações e práticas dos dois tipos de profissionais, que mesmo utilizando os mesmos estudos e as mesmas recomendações, podem ter posicionamentos e condutas diferentes. A boa notícia é que os especialistas vêm utilizando cada vez mais os métodos e as ferramentas utilizadas pelos generalistas, claramente observado na mudança das recomendações da American Urology Association nos últimos anos, em relação ao rastreio de Câncer de Próstata.

Vale lembrar que, fora do contexto do rastreio de Câncer de Próstata, o PSA e o toque retal são exames importantes e devem ser realizados sempre que houver indicação. A melhor estratégia, entretanto, continua sendo o diálogo. Não somente com o paciente, para que ele faça a escolha sobre as intervenções e procedimentos que deseja realizar e assuma as consequências junto com o profissional de saúde, como também que o debate saia da academia e da corporação médica e ganhe espaço na sociedade.

* Médica de Família e Comunidade e integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares

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