O SUS é mais bem avaliado por quem o usa - Elio Gaspari "FOLHA,13/02/2011"

O Ipea descobriu que 30,4% dos clientes do SUS estão satisfeitos e 80,7% louvam o programa Saúde da Família

DEVE-SE AO economista John Kenneth Galbraith a expressão "sabedoria convencional" para designar alguma coisa que as pessoas acham porque outras pessoas acham. Por exemplo: se a África está atolada em ladroeiras, golpes e miséria, como Botsuana está na África, Botsuana está ferrado. Erro, esse é um caso de ignorância convencional. Em 30 anos, o país cresceu a uma média superior à da China, Coreia ou EUA. Sua renda multiplicou-se 13 vezes e seus cidadãos tornaram-se mais ricos que os tailandeses, búlgaros ou peruanos. (Mais exemplos no livro "The Rational Optimist", de Matt Ridley, US$ 12,99 no e-book.)
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada revelou que a percepção de que a rede de saúde pública brasileira é um desastre tem um perigoso ingrediente de ignorância convencional. O SUS não é nenhum Botsuana, mas 30,4% dos entrevistados que buscaram seus serviços ou acompanharam um familiar no último ano avaliaram-no, de uma maneira geral, como bom ou muito bom, enquanto 27,6% consideraram-no ruim ou muito ruim. O índice de aprovação do SUS fica na mesma faixa onde estão os serviços financeiros, aéreos e de telecomunicações.
Propagando a ignorância convencional, 34,3% dos entrevistados que não tiveram experiência alguma com o SUS acharam-no ruim ou muito ruim, e só 19,2% consideraram-no bom ou muito bom. A visão catastrofista está mais em quem não usa o serviço do que naqueles que o usam. Essa tendência já foi detectada há tempo e pesquisas do Ibope informam que ela ocorre também nas áreas de transporte e educação. Palpite: quem não usa um serviço que atende ao andar de baixo sente-se recompensado ao achar que ele não presta, pois custa-lhe dinheiro fugir da rede de atendimento da patuleia. Julga-se protegido, mesmo suspeitando que o plano de saúde poderá desová-lo na rede pública quando seu tratamento for mais caro. Esse pode ter sido o caso do cidadão que a seguradora Porto Seguro, amparada pela Agência Nacional de Saúde, remeteu ao SUS para receber (de graça) uma dispendiosa droga contra artrite reumatoide. Ele, que paga R$ 8.000 mensais no seu plano familiar, argumentou: "Eu não vou ficar em fila de SUS nem morto".
Avaliando cada ramo dos serviços utilizados, os números do Ipea dizem mais: 80,7% dos entrevistados atendidos pelo programa Saúde da Família consideram-no bom ou muito bom; 69,6% dos clientes do serviço de distribuição de remédios gratuitos deram a mesma boa opinião. A avaliação positiva do atendimento por médicos especialistas ficou em 60,6%. Na rabeira, com 48% e 45% de aprovação, estão as emergências e os postos de saúde, considerados ruins ou muito ruins por 31% dos entrevistados que os utilizaram.
Mesmo sabendo-se o risco que há em qualquer comparação de pesquisas, os números do Ipea colocam o SUS num patamar um pouco melhor que o do sistema público e privado americano (o que não chega a ser um elogio) e um pouco pior que o austríaco. Na Alemanha, 14% dos entrevistados acham que a área da saúde pública precisa ser completamente reconstruída, enquanto 38% acreditam que alguns ajustes seriam suficientes.
Se a freguesia do SUS botar a boca no mundo toda vez que for mal atendida, ele melhorará. Se baixar a cabeça, achando que "é assim mesmo", piorará. Em qualquer caso, não é justo que se tenha uma má opinião de um serviço público a partir do juízo de quem não o usa.
Serviço: a pesquisa do Ipea está, na íntegra, em seu portal.

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Comentário de Evaldo em 16 fevereiro 2011 às 21:40

A Regina me indicou este artigo do Elio Gaspari e resolvi publicar, embora me incomode esta visão da saúde como um simples plano de saúde que fornece exames, consultas, medicamentos e internação como o Elio Gaspari deixa transparecer em seu artigo.

Fico satisfeito de perceber a aprovação por quem o utiliza com estes objetivos, embora eu ache que não deveríamos pautar o seu direcionamente somente nestas avaliações, mas muito mais na participação.

"Botar a boca no mundo", como diz o Elio Gaspari pode ajudar. Mas só botar a boca no mundo sem se envolver na solução de seus problemas, principalmente dos custos cada vez maiores para recursos finitos e insuficientes para tudo que se pretende ser obrigação da saúde levará o modelo ao colapso.

Ouço frequentemente dizerem que o problema do SUS é só de gestão pois verba há. Mas será que algum eficiente plano de saúde assumiria o sistema pagando o que o governo paga, para fazer tudo o que o SUS tem que fazer? Acho que não, por mais eficiente que seja o plano de saúde.

É por isso que eu acho que teríamos que ampliar a participação, e a utilização de redes amplas de mídias sociais, como alternativa às mídias tradicionais, e de uma visão não corporativa e não liberal dos seus profissionais.

Um longo caminho ainda teremos que trilhar para estas mudanças. Mas temos que, de alguma forma, começar.

Comentário de Clarice Silva Montijo Nakayama em 17 fevereiro 2011 às 19:59

Considerando que o Programa de Saúde da Família traz em seu bojo o aspecto da PROMOÇÃO da Saúde e não somente o da Assistência, é interessante constatar que a quase totalidade dos usuários do PSF entrevistados avaliaram o Programa como bom ou muito bom. Podemos assim arriscar a interpretação de que as ações relacionadas à "Promoção" estão sendo mais valorizadas pelos usuários e não somente consulta médica, exames, medicamentos... Quanto às mudanças preconizadas, creio que o Controle Social deveria ocupar mais espaço nesse cenário do SUS.

Comentário de Evaldo em 18 fevereiro 2011 às 8:46

Oi, Clarice. Sim, concordo com vc.

O PSF realmente é uma revolução porque o seu foco é na promoção e tem 80,7% de aprovação.

Eu gostria de ter sido um clínico do PSF, lutei por isso. Só não aderi à proposta que venceu no município de São Paulo, quando me ofereceram, porque não tinha mais a qualificação para conduzir bem a pediatria e a gestante/saúde da mulher como médico de família. Gostaria de ter sido um clínico que conhece a condição da família do qual cuido, ir até a sua casa, como me disse o Cleber ontem, do Parque da Lapa, porque mudaria toda a percepção terapêutica, este conhecimento da família e do seu domícilio. Mas não me sentiria confortável de acompanhar o recém-nascido, suas intercorrências/urgências e a mulher gestante, a minha capacidade técnica na família seria apenas com o adulto ou idoso, por isso não aceitei participar, mas teria sido uma experiência incrível poder acompanhar um paciente, e interferir não só com uma receita médica, mas em todo o processo saúde-doença do indivíduo e da família.

Infelizmente, a mídia tradicional não enfatiza esta "mudança de paradigma" porque existe um interesse muito forte na sociedade, para que os valores da clínica, da terapêutica e da assistência permaneçam os mesmos, focando na demanda individual, e não na promoção.

Apoio o controle social desde que seja para esta mudança de percepção, um controle social com participação permanente da sociedade para resolução deste problema amplo e complexo, que é o financiamento do sistema.

Mas, acho que o importante é continuarmos sonhando e lutando pelos nossos sonhos. A geração que chega, formada no PSF, é que legitimamente deve ocupar os espaços para esta revolução que o sistema precisa, não nós da velha geração, formados como clínicos, pediatras, ginecologistas e especialistas em geral. O futuro tem que ser deles, o sistema depende deles acreditarem, para esa mudança social do que é "ser cuidado para se ter saúde".

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